Em 1907, nascia, em Calomboloca, aquele que viria a ser o grande mentor e primeiro director do jornal que iria revolucionar algumas das mentes que um dia estiveram na génese da Dipanda. Foi do sangue e suor do Reverendo Gaspar Domingos de Almeida que nasceu O Estandarte a 1 de Dezembro de 1933. Para a sua filha, Loide Ana de Almeida, o renascimento d’O Estandarte é o cumprir de um sonho já antigo.
O jornal completaria este mês 91 anos, resultado do esforço de um grupo de amigos e colegas, entre eles, Gaspar de Almeida, na direcção, António Victor de Carvalho, na redacção, secretário de redacção, João Sebastião Rodrigues e, na administração, Domingos Francisco da Silva, que procuraram levar informação sobre a salvação espiritual e do mundo sem restrições de raça e classe, com a finalidade de conscientizar os cidadãos dos seus deveres e direitos.
Esta geração marcou a fundação do jornal que veio a ter muitas mudanças devido à ocupação de alguns membros que passaram a fazer parte de cargos na função pública e a integralização de novos, no período 1933 a 1961, de forma ininterrupta, até à proibição pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE).
Segundo Loide Ana de Almeida, o seu pai foi um dos protagonistas da criação do jornal. Ela lembra também da célebre frase dele que é “ Um povo sem voz é um povo apagado. Temos que começar com o jornal…” Daí, a necessidade da reunião com os colegas que já trabalhavam na imprensa colonial para pensarem numa produção que tinha a cara e a voz do povo angolano em termos de identidade cultural, em que as preocupações da nação emergissem das necessidades populares.
“Eu era pequena quando meu pai sempre ia lá para cima, ficava lá horas e horas a escrever, redigir, porque os nossos artigos tinham de ser censurados […] é o motivo que muitas pessoas falam do jornal O Estandarte e reflectem sempre em torno do meu pai, mas ele sempre quis que falassem dos outros também que tiverem grande influência no jornal”- destaca Loide Ana de Almeida.
O Reverendo Gaspar de Almeida teve uma dedicação exclusiva comparando com os outros membros do jornal. Ele sempre respondeu à procura interna e externa como uma preocupação sua, principalmente em 1950, com a ausência do António Victor de Carvalho do corpo da redacção, tornando-o director e administrador ao mesmo tempo.
Fora da redacção, era um professor que tinha uma preocupação política com a educação dos cidadãos angolanos. Acreditava que, por meio da educação, a porta da revolução estaria cada vez mais perto de se abrir.
Conforme afirma Loide Ana, “ falam mais do pai n’O Estandarte, mas ele era um professor. Tinha uma preocupação política com a leitura e a escrita. Ele tinha uma visão…”, ou seja, já defendia a necessidade da alfabetização como um instrumento indispensável na luta de libertação nacional.
O jornal enfrentou várias dificuldades, desde os boicotes da PIDE, aos assaltos e falta de material para a continuação das publicações, uma vez que dependia das assinaturas e das doações de leitores.
“Ninguém era pago pelo Jornal. A verdade é que era um trabalho, realmente, de manter sempre as assinaturas e ver todos a contribuírem para que o jornal se mantivesse. Houve algumas baixas. Houve uma altura em que alguém começou a roubar o dinheiro que vinha pelo correio. Um colaborador abria e tirava as compras. O jornal estava a sofrer, mas ele ficou ali a levantar, punha do seu dinheiro para poder fazer mais… E tinha sempre que estar à procura de novos ajudantes. Tinha sempre a responsabilidade de compilar todos aqueles artigos que vinham. Redigia e também corrigia”- frisou a Loide Ana.
Mais tarde, os membros do jornal procuraram criar uma fundação com um fundo para bolsas de estudo para aqueles que queriam estudar fora do país – uma vez que as bolsas só estavam direccionadas para os pastores. Criou-se toda uma infraestrutura legal e burocrática para atender à procura, mas houve interdição por parte do governo colonial português, e multaram o projecto. “O meu pai foi chamado, tinha de pagar muito dinheiro, mas também já tinha recebido bastante do fundo […] entregaram à igreja. Assim, começou o fundo da Conferência”, sublinha.
Entre 1961 e 1963, com o início da luta de libertação nacional, aumentou também a repressão colonial e o Reverendo Gaspar de Almeida é preso sob o pretexto de incitar os alunos da Missão de Dondi a não participar duma actividade política, resultado da fracassada expansão colonial – conhecido como a tomada de Goa pela União Indiana que ocorreu no dia 18 de Dezembro de 1961, após uma operação militar que durou 36 horas, marcando o fim de 446 anos da presença portuguesa no Hindustão.
“O meu pai disse não, não vou. Então, os alunos não queriam ir. E o meu pai disse ‘não tem nada a ver. Os alunos podem ir à vontade’, […] foi isso o motivo da prisão. É o pretexto, porque as coisas já estavam quente. E mesmo depois, os imigrantes já disseram ao meu pai para se ir esconder nas matas. O meu pai disse ‘não, não nos vamos esconder nas matas”, enfatizou Loide Ana.
Na sequência das perseguições coloniais, houve uma sucessão de prisões e mortes de nacionalistas protestantes. A detenção do Reverendo Gaspar de Almeida resultou em violência contínua e mortes de pastores, interrogatórios e outras formas de violência. Loide Ana ressalta que “ alguns pastores estavam escondidos nas matas, porque, durante o dia e à noite, eles vinham para fazer recolha […] porque já estavam fartos dos protestantes”.
Lembra que, em todo o momento, o pai sempre foi íntegro e calmo com toda a situação que os missionários protestantes, os nacionais e internacionais que estavam no nosso território passavam. “Mas o pai não deixou de ocupar cargos estratégicos em defesa do seu povo”, refere.
Portanto, essa memória fica mais visível no final do seu mandato pastoral em Dondi. “No dia em que ele parte do Dondi, toda a aldeia em camião, veio para a estação. Os comerciantes, o administrador, todos vieram para desejar boa viajem […]. E, claro, eles ficaram muito satisfeitos, porque o meu pai dizia ‘vocês não têm que ser pobres, é a nossa terra. O meu pai sempre incutiu na nossa mente que devemos estudar, devemos ler”, remata.